24/04/18

O CONCEITO DE "CRISTANDADE" QUE NOS FOI LEGADO (II)

(continuação da I parte)

Sarracenos
"Vice-rei amigo, Eu ElRey vos envio muito saudar, etc. Tenho por muito serviço de Deus e meio o modo em que se procedeu com o Arcebispo de Amgamale, quando veio ao sínodo de Goa, e ir emendado em alguns abusos usados naquela cristandade da Serra, e assim de mandardes acudir as afrontas que ElRey de Paru fez às Igrejas dela, e aos padres da companhia de Jesus, que naquelas partes residem, e vos encomendo que trabalheis por se de todo quietar aquela cristandade, e se por em efeito o seminário de Amgamale pelo muito fruto que espero que com ele se faça nesta cristandade.
Escrita em Lisboa a 21 de Janeiro de 1588 (Rivara, Archivo portuguez-oriental, fascículo 3º, pag. 112)

"Conde Almirante, Vice-rei amigo, Eu ElRey vos envio muito saudar como aquele que amo.
Pelas três naus que o ano passado de 98 vieram dessas partes da Índia, em que de qual foi por capitão mor D. Afonso de Noronha, e veio o Vice-rei Matias de Albuquerque recebi as vias de vossas cartas, etc.
Tive contentamento de que me dizeis sobre o bom procedimento do Arcebispo de Goa D. Fr. Aleixo de Menezes, como já o tinha entendido de todos os anos passados depois que de qual foi, e assim o recebi de saber como tinha visitado todo o seu arcebispado, e que à partida destas naus ficava para ir visitar a cristandade da serra de Angamale; e por que tenho entendido que tem despendido muito, e que também havia de fazer despesas na visitação que ia fazer, hei por bem por todos estes respeitos de lhe fazer mercê de 5000 pardáos por uma vez, e vos encomendo lhos façais logo pagar com efeito.
Escrita em Lisboa a 21 de novembro de 1598 (Rivara, Archivo portuguez-oriental, fascículo 3º, pag. 612)

"Neste ano [861], ou no anterior padeceu Álvaro uma perigosa enfermidade, e pediu a penitência, como costumavam alguns naquele tempo. Já melhorado escreveu ao Bispo Saulo, que lhe enviasse um Sacerdote, para que o absolvesse. Saulo respondeu, que não podia até que determinasse o Concílio a questão, que estava pendente: e assim, que recorresse, para ser absolvido aos mesmos, que o ligaram; porque havendo tido faculdade para ligar, também a teriam para absolver; e que havia comunicado com um Pseudo-Episcopo, com quem ia absolto, voltaria a comunicar; e assim o aconselhava, que se apartasse de tal comunicação contagiosa, não temendo o mal, que lhe podiam fazer os homens. Álvaro sentiu esta resposta do Bispo Saulo, e com bastante acrimónia disse-lhe, entre outras coisas: que lhe aconselha bem no temer aos homens; mas admira-se, que aconselhando fortaleza, esteja escondido, separado dos seus, e vago pelo temos mesmo dos homens, que despreza. Ponderámos estas cartas, como estão no livro Gótico, por conterem vários pontos de disciplina Eclesiástica, e da notícia da turbação, que padecia a Cristandade de Córdoba; pois colacionadas com outros instrumentos poderão dar alguma luz entre tanta obscuridade da História". (Catálogo de los obispos de cordoba ... tomo I - cap.V. Ano 1778, Córdoba [tradução nossa])

"Servando foi descendente de Escravos da Igreja; e ainda que baptizado, saiu tão soberbo, cruel, avaro, estólido, e atrevido, que conseguiu a dignidade de Conde, (que costumava dar-se aos nobres, e principalmente Cristãos) à força de obséquios, e regalos, que fez aos Palatinos. Casou com uma prima do Bispo de Hostigésio, e ambos se coligaram para fazer Escravas as Igrejas, Hostigésio à de Málaga, e Servando à de Córdoba sua Senhora. Antes pagavam seus pesantes, e Servando obrigou-as a contribuir de todos os Emolumentos, e obrigações. Hostigésio vendia os Sacerdotes do seu Bispado, e Servando, usurpando o Bispo Valêncio da faculdade de provê-los, vendia os de Córdoba, aos que ofereciam mais dinheiro. A todos os Cristãos carregou de tais contribuições, que muitos miseráveis deixaram a Religião Cristã por livrar-se de tributos tão pesados; e os que foram constantes, padeceram a última miséria: e assim se cumpriu na Igreja, e Cristandade de Córdoba o que chorou Jeremias (cap.5) Servi dominati sunt nostri: non fuit, que redimeret de manu erorum. Não contente com destruir aos vivos; perseguiu também aos defuntos; pois desenterrando os corpos dos Cristãos, que haviam sido ajustiçados pela Religião, manifestava-os aos Juízes, para persuadi-los, que os Cristãos tinham por inocentes àqueles, que haviam condenado justamente a padecer morte; e assim eram dignos de morte, os que lhes haviam dado sepultura; Corpora, ut fuerant sub aris Dei posita, ex suis loculis insignis Vespilio traxit. Em que parece, que só desenterrava os corpos dos Mártires para parecer maior o delito dos Cristãos, que não só tinham por inocentes, senão também por Mártires, os que tinham condenado os Juízes; pois enterravam-nos nas Basílicas debaixo das aras. E desde este tempo achamos, que os Mártires se enterravam não nas Basílicas, senão nos Cemitérios, como os restantes Cristãos: antes lhes davam sepultura dentro das Basílicas, como consta de São Eulógio: mas este sacrílego Conde obrigou a enterrarem-nos, como aos restantes para não incorrer na calúnia, que lhes imputou; e por evitar outros ultrajes, que os Maometanos pudesse executar com os corpos dos Mártires. Disto se colige, que depois do Martírio de São Eulógio, e Santa Leocricia, padeceram outros por este tempo, e que desenterrou os corpos destes para mostrá-los aos Juízes, e acusar aos Cristãos, por que os veneravam como inocentes." (Catálogo de los obispos de cordoba ... tomo I - pag. 167. Ano 1778, Córdoba [tradução nossa])

"Com tão iníqua, e barvara sentença (até na língua latina) e condenação de Sansão, e sua doutrina, ficaram todos os Católicos pasmados, e temerosos, de que a Cristandade de Andaluzia, e ainda de todo o Reino de Maomé, se tornasse Hostigessiana: e assim uns se retiraram ao Reino de D. Ordonho, fugindo as violências de Hostigésio patrocinado pelo seu parente o Conde Dervando. Outros estiveram firmes nas verdades Católicas, que ensinava Sansão; e se apartaram de comunicar com Hostigésio, e seus sequazes. Outros rendidos ao temor comunicavam com eles: como que se viu a Cristandade de Córdoba num cisma pernicioso. Hostigésio envio esta sentença à Igreja de Martos, que por essa altura devia estar vacante; para que entendesse o que havia determinado o Concílio. Valencio deu quanta a outros Bispos; e lhes remeteu a confissão de fé, que havia feito Sansão, e a condenação do Concílio: para que explicassem seu sentir. Ariulpho Matropolitano de Mérida, e Saro Bispo de Baeza, que não assistiram ao Concílio, aprovaram com suas cartas a fé de Sansão, e lhe declararam inocente condenando a sentença do Conciliábulo." (Catálogo de los obispos de cordoba ... tomo I - pag. 174. Ano 1778, Córdoba [tradução nossa])

"Maomé rei de Córdoba morreu a 4 de Setembro de 886, deixando trinta e quatro filhos, e vinte filhas. Foi cruel inimigo dos Cristãos, e no seu tempo padeceu muito a Cristandade de Córdoba. S. Eulógio disse dele, que não foi menor em maldade, que havia sido seu falso Profeta, de quem tomou o nome: Non illo inferior meritir apparuit, cujus nomine insignitus ostenditur (Lib. 2 cap. 16). Com os Maometanos, e desertores da Religião Cristã foi muito humano; e em seus fins parece, que moderou sua ira cruel com os Cristãos, pois voltou a servir-se deles nas milícias, e ofícios públicos. No seu tempo floresceu em Córdoba o Moro Rasis, que escreveu a história de Espanha. Outro Rasis insigne Médico houve em Córdoba no século seguinte: de ambos tratou D. Micolás António (lib. 6 cap. 12)." (Catálogo de los obispos de cordoba ... tomo I - pag. 197. Ano 1778, Córdoba [tradução nossa])

"Os Maometanos de Córdoba e seus vizinhos tão irritados ficavam por estas fugas dos Mozárabes, que determinaram extingui-los. A muitos tiraram cruelmente a vida, e outros castigaram atrozmente, e colocaram em prisões muito apertadas. A todos despojaram de seus bens, e aos que ficaram com vida, depois de muitas injúrias os deportaram a África. Esta catástrofe teve-a Cristandade de Córdova. Escute-se Orderico: Porro Cordubenses, aliique Sarracenorum populi valde irati sunt, ut Mucerianos cum familiis, et rebus suis discesisse viderunt. Qua propter communi decreto contra resíduos insurrexerunt, rebus ominibus eos crudeliter expoliaverunt, verberibus, et vinculis, multisque in juriis crudeliter vexaverunt, multos eorum horrendis supliciis interemerunt, et omnes alios in Africam ultra fretum atalanticum relegaverunt, exilioque turci pro Christianorum odio, quibus magna pars eorum comitata fuerat, condemnaverunt. Sucedeu esta lamentável tragédia no ano de 1125, em que Orderico a escreve." (Catálogo de los obispos de cordoba ... tomo I - pag. 237. Ano 1778, Córdoba [tradução nossa])

Esta entrada dos Almoades na Hispania foi a fatal ruina da Cristandade, que havia ficado no Reino de Sevilha: porque era o ponto principal da seita, não permitir aos que adoravam muitos Deus, ou num Deus muitas pessoas: e assim extinguiram a Religião Cristã na África, e agora na Andaluzia. Clemente último Sevilhano pôde retirar-se para Talavera, donde morreu; e a Toledo passaram-se os Bispos de Médina-Sidonia, Marchena, e Niebla, ou Penhaflor com um santíssimo Arcediano chamado em árabe Archiquez, como escreve o Arcebispo D. Rodrigo (lib. 4 hist. cap. 3)

(continuação, III parte)

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