07/02/18

O PUNHAL DOS CORCUNDAS Nº10 (IV)

(continuação da III parte)

4ª Desde a perda de África até ao ano 1668

Frei Heitor Pinto - intelectual covilhanense
exilado em Castela
Abrem a cena destes infaustos dias, em que principiou a nossa escravidão, muitos Frades vítimas da sua lealdade ao Trono de seus Reis naturais; e basta-me apontar os nomes do Jerónimo Fr. Heitor Pinto, zelosíssimo propugnador dos direitos da Casa de Bragança, do Cisterciense Fr. Crisóstomo da Visitação, impertérrito seguidor da mesma causa, e que à imitação do primeiro acabou seus dias no desterro, e do ilustre Dominicano Fr. José Teixeira, que de envolta com outros Religiosos da sua Ordem foi exceptuado da amnistia que o intruso Filipe I concedera aos partidistas do Senhor D. António Prior do Crato.

Sem trocarmos agora no serviço de se fomentar por todo o Reino, e por todos os modos, a nunca interrompida afecção à Sereníssima Casa de Bragança, que maior extremo de lealdade pôde haver que o executado pelo Monge de Alcobaça Fr. António Brandão, quando se atreveu a divulgar as Cortes de Lamego, que cortavam pela raiz os supostos direitos do Rei Castelhano? Se a Monarquia surge debaixo das ruinas em que a sepultara a dominação estrangeira, acodem prontas e fervorosas as Ordens Monásticas, para lhe darem a mão--- e as rendas dos Mosteiros se empregam na justa revindicação dos nossos direitos; e quando seja necessário que os Frandes acudam aos exercícios de Marte, um frade Bernardo os afugentará da Província do Minho, e outro Frade Bernardo, pela confissão dos Autores estrangeiros, deixará em problema se lhe fica melhor o bago, se a espada.


5ª De 1668 até ao presente

Durante as épocas de segurança, de paz, de tranquilidade, assim interna como externa, custam mais a aparecer os relevantes serviços das Ordens Religiosas. A ocasião do perigo e das calamidades públicas é sempre aquela, em que melhor desenvolvem e manifestam as suas virtudes patrióticas. Eu poderia citar neste longo intervalo de mais de um século entre os Cistercienses um Historiador digno de seguir as pisadas dos Britos, e dos Brandões; entre os Theatinos uma sociedade de Atlantes, que podem com o peso do Dicionário da Língua, e da História Geanealógica da Casa Real; entre os da Terceira Ordem um D. Fr. Manuel do Cenáculo, assaz louvado quando se nomeia, e um D. Fr. Caetano Brandão, que não é só Filantropo na língua e na pena, mas que o é nas obras, aplicando os rendimentos da sua Mitra a fundações pias de todo o género, para meninos órfãos, para mulheres do mundo, para velhos doentes e estropeados, e até dando prémios a quem sobressaia em certos ramos de agricultura; cheguemos porém à Invasão Francesa, e aqui se decidirá de todo a nossa causa.

Que fizeste, Pedreiro, quando a tua Pátria se viu tantas vezes ameaçada, e afinal invadida? Mostraste uma alegria indecente e escandalosa, porque eram chegados os nossos Regeneradores; não houve serviço humilde, nem baixeza que de com grado não praticasses, a fim de teres propícios os vencedores de Marengo, e da Austerlitz...

E que fizeram os Frades? O que tu não terias ânimo de fazer, ainda que tivesses debaixo de tua chave os tesouros do Grão Mogol... Deram para a guerra quanto podiam, e mais que podiam; e tal Corporação houve, que se empenhou em mais de duzentos mil cruzados para coadjuvar o Estado (Alcobaça), e para não ficarmos regidos pelo Código Napoleónico, já muito bem traduzido em linguagem pelo sábio Jurisconsule Moura, que assim veio escarrado no então oráculo das Nações Europeias, o Monitor...

Este punhal, por mais que corte e despedace, nunca se lhe embotam os fios, e ainda vai fazer das suas na

Conclusão

Contribuir tão poderosa como eficazmente para a fundação da Monarquia Portuguesa; não só dirigir, mas executar com as próprias mãos os trabalhos mais pesados da agricultura; promover os estudos neste Reino à custa da própria fazenda; sair a campo não só com os dinheiros, mas também com risco das próprias vidas, todas as vezes que Portugal foi ameaçado de perder a sua gloriosa independência; opor um muro de bronze à tentativas de heresia e da impiedade, assim no século XVI, como nos séculos XVIII e XIX; civilizar nações estranhas, e conseguintemente sujeitá-las de bom grado à nossa Monarquia... Tais são os nossos títulos abonados por inumeráveis Escritores, e presenciados por uma infinidade de testemunhas...

Pedreiros, quais são os vossos? No curto espaço de menos de três anos, em que vossas mãos trémulas e incapazes de tudo o que é bom, sustentaram o leme dos negócios públicos, foi acima das areias do mar o de vossos delírios e atrocidades... Se continuais um ano só que fosse... nunca mais seríamos Portugueses... A vossa infâmia e a vossa incapacidade acham-se escritas de maneira indelével na desmembração do Brasil, no deficit enorme das rendas públicas, e no esgotamento da riqueza nacional; e será mais fácil meter o mar numa concha, ou fazer do preto branco, do que mostrar, ainda sofisticamente, que sois ou podeis ser úteis ao Estado.


Utilidades Religiosas, e Políticas que provém actualmente dos Mosteiros.

Ainda torno a falar convosco, eus Pedreiros, nem convinha que eu vos deixasse facilmente sem vos ter pago, quando em mim fosse, e dívida imensa em que haveis posto as Ordens Religiosas. Ficam estas para sempre enobrecidas pelo vosso ódio, exaltadas pelo vosso desprezo, cada vez mais seguras pelo vosso furor de extinções, e mais profundamente arraigadas pelos vossos Projectos de Reforma. Pode tanto a infâmia de que estais oprimidos à face da geração presente; não se começaria a propósito a demonstração das "utilidades Religiosas, e Políticas dos Mosteiros" sem que fosse apontada na cabeceira do rol porventura o mais nervoso de quantos argumentos podem trazer-se para o meu sujeito. Somos perseguidos pela Maçonaria Portuguesa, tem esta jurado abolir os Frades, porque os Frades advogam a causa da Religião Católica todas as vezes que ela é insultada e combatida, porque os Frades são adidos ao Trono, que os favorece, que os eleva, e a quem devem tudo que são de presente, enfim porque os Frades são contrários às suas obras más, tenebrosas e nefandas..... É tanto isto verdade, que mal apareceram outra vez os Jesuítas, e o S. Padre Pio VII derrogou a Bula do Papa Clemente XIV andavam tais que pareciam furiosos, e o seu trombeta Mr. de Pradt (o inimigo dos trabalhadores de Mr. Vhateaubriand sobre as vantagens, e belezas do Cristianismo) já disse que mal do género humano se estes Padres tornam a propagar-se; que infelizmente já os vê na Hungria, na Boémia, nos Estados da Casa de Áustria, no Piemonte, na Lombardia, em Nápoles; e que para mais penas sentir, já se vão metendo pela França, e que adeus ideias liberais, que esses malditos não deixaram frutificar, nem progredir.... É pois de eterna verdade, que por esse ódio figadal dos Pedreiros aos Frades se conclue necessariamente que os Frades são úteis por extremo à causa dos Reis, e à causa da Fé; e ainda que os nossos maiores não tivessem feito uma inumerável cópia nos pôr em toda a luz, como defensores natos da Igreja, e da Monarquia. Vamos pois insistindo nas propostas utilidades, e comecemos pelos que são de maior vulto para quem ainda crê que há Deus, que há Céu, que há Inferno, e que a Religião é o primeiro dever do homem inteligente, e criado para um fim sobrenatural.

Não se pode encobrir que por influência das opiniões modernas tem caído num certo desprezo a vida Eclesiástica, e o que ainda é mais de estranhar, nem todos os Clérigos se esmeram por adquirir e conservar os conhecimentos indispensáveis para o Estado Sacerdotal. Há tal rapazinho (e só aqui fica bem este nome) que sendo filho de pobres cavadores de enxada, todo se anoja de lhe falarem em ser Padre; assim como há Sacerdotes que só de terem lido sem atenção, e meramente por satisfazer, alguns princípios do Larraga se têm na conta de sabichões, que já não carecem de estudar mais nada para o tão árduo como delicado Ministério do Sacramento da Penitência. O próprio Voltaire conheceu tanto esta verdade que chegou a dizer que a extinção dos Frades o poria em termos de levar ao fim quanto premeditava sobre a Igreja Católica, e que nem o Clero Secular, nem os Bispos o assustavam com esses corpos numerosos, que faziam maciços impenetráveis para sustentarem a todo o custo a existência do fanatismo.

Recai pois de necessidade nas Ordens Religiosas a maior parte das confissões, e pregações; acaso as tais Ordens fossem abolidas, se experimentaria logo em todo esse Reino a maior falta de socorros espirituais, e por certo que uma grande parte dos fiéis chegaria cedo à terrível e duríssima extremidade de pedir o pão, sem haver quem lho repartisse. Nem se diga que os Frades não eram expulsos do Reino, e que reduzidos aos Estado Secular podiam assistir como dantes aos fiéis, e ministrar-lhes igualmente os socorros da vida cristã: pois quem discorre desta maneira ou não sabe, ou afecta não saber o tempo que costumam roubar os cuidados ordinários da vida, e que mui diferente coisa é o viver exonerado de procurar o necessário para a subsistência, e poder entregar-se todo às obras do Ministério Sagrado, ou descer a todos os cuidados, que traz consigo a substância, que não seria ela tão firme, e segura no reino constitucional, que desobrigasse os Ex Frades de procurarem outro modo de vida sob pena de morrerem todos à fome.

Deus livre esta Monarquia de experimentar uma carestia absoluta de Frades!! Alguns Povos, que em nossos dias têm experimentado, como são nomeadamente os Belgas Católicos, ainda hoje estão gritando por eles, e protestando que os Frades eram todo o seu remédio, e toda a sua consolação; e o mesmo ouviremos ainda hoje lastimar aos velhinhos dos colégios dos Jesuítas neste Reino, se porventura ainda existem, como é provável, muitos anciãos daquele tempo. 

Concluída que fosse entre nós a extinção dos Frades, não tardaria muito que um grande número de fiéis não perecessem destituídos do conforto dos últimos sacramentos, e que pelo menos aldeias, e povoações inteiras ficassem ao Domingo sem Missa, e que todo este Reino se fosse aproximando insensivelmente do estado a que os Mações o queriam reduzir.

Se estas vantagens puramente religiosas se fossem discutindo miudamente, por certo que não seria uma das menos consideráveis a que merece grandes aplausos a um Liberal (Mr. Mercier = Tableau de Paris), e vem a ser a assistência dos Frades aos infelizes réus desde que se lhes intima a sentença de morte até subirem ao patíbulo; nem ficariam no último lugar os deliciosos frutos, que por esta ocasião têm colhido os Frades, e de que a nossa História podia subministrar contínuos, e assinalados testemunhos.....

Onde são mais pomposas as grandes Festividades do Cristianismo, do que nos Mosteiros? Onde se ouve mais frequentemente a palavra do Senhor, que nos Mosteiros? Onde é mais fácil receber os Sacramentos da Penitência, e da Eucaristia, que nos Mosteiros? Onde há maior cópia de oradores Evangélicos não menos distintos pela ciência do que por uma vida exemplar, do que nos Mosteiros? Quem semeia a palavra de Deus tão felizmente como os virtuosos Missionários de Varatojo, e as mais filiações deste Sagrado Instituto? Se alguns Santos fundadores quiseram habilitar melhor o Clero Secular para que se empregasse frutuosamente nos mesmos trabalhos, deram-lhe a forma de Religiosos, fazendo-os viver em Mosteiros, observar a vida comum, etc., etc., etc.. Por isso nenhuma destas fundações, como por exemplo a dos Missionários do Instituto de S. Vicente de Paulo, ficaria em pé no meio da queda geral das Instituições Monásticas; e também por isso a Casa do Espírito Santo em Lisboa, que é de Clérigos Seculares, os quais se empregam com um zelo, e caridade acima de todo o elogio, na conversão, e direcção das almas, e que não tem nada com as Instituições Monásticas, assim mesmo por oito ou dez dias de livrou de experimentar o raio da extinção já despedido pelos Mações contra ela.....

Acrescendo que não veríamos tão perdida neste Reino,  por certo confiada tantas vezes a sujeitos inábeis, desacreditados, e viciosíssimos, se os nossos sabichões conseguissem moderar o espírito filosófico, que lavrado há cinquenta anos em Portugal influe onde menos se devia crer ou esperar.... mas fique para outras vez esta punhalada, em que se podem dizer bocadinhos de ouro!!!

Entremos pois nas vantagens políticas, e a fim de se evitar quanto couber no possível o tédio dos Leitores, reparta-se a matéria em pequenos artigos....

(a continuar)

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